segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Epigrafia #8


«Numa entrevista antiga, a cantora Joanna Newsom conta que, durante a adolescência, costumava enfiar pedras nos bolsos para poder caminhar no fundo do rio. Em certas pessoas, no entanto, o peso do silêncio é tão grande, que, se mergulhassem nas águas, facilmente iriam ao fundo sem precisarem de pôr pedras na roupa ou de as coser nos bolsos, como teria feito Virginia Woolf.»
Alda Rodrigues, Notas do fundo do rio, in https://formadevida.org/, 2018.



Não me demoro nos dias
Assim principia o poema que não cheguei
a escrever. É outra forma de caminhar
no fundo do rio. De esquecer que não há esteios
que aguentem tanta falta de coincidência
entre as instruções que recebemos para
atravessar a rua e as ruínas que encontramos
em cada semáforo que não se acende. De extinguir
o que nunca existiu, ainda que pudesse acreditar,
em cima de um daqueles pequenos bancos da infância,
que a penumbra é uma haste sem madrugada.
De ignorar com o corpo a magnitude dos lugares
imperfeitos.

Não te demores nos dias. Contemplemos todos,
os poetas que salvaram o mundo
com menos um poema.

[Sandra Costa]

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