segunda-feira, 4 de julho de 2016

Manual da Vida Breve XXII

23.
«Se eu escrevesse, […], não haveria na minha escrita
o mais pequeno vestígio de nostalgia.»

João Paulo Sousa, O rosto de Eurídice, Teodolito, 2016.

Se eu escrevesse, as sebes continuariam
a cercar os terrenos aráveis contra a invasão
das tempestades e os estragos não deixariam
de se sentir na quantidade de voos que os
estorninhos fariam pousar sobre o que
além resta da sombra e da luz.

Se eu escrevesse, a morte continuaria
necessária, sem promessas, sem regressos
e os poemas demorariam apenas um
instante, permanecendo as palavras
mas não os significados,

para que aqui não reste
o mais pequeno vestígio de nostalgia.

[Sandra Costa]