sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Traições IV




An Arundel Tomb

Side by side, their faces blurred,
The earl and countess lie in stone,
Their proper habits vaguely shown
As jointed armour, stiffened pleat,
And that faint hint of the absurd –
The little dogs under their feet.

Such plainness of the pre-baroque
Hardly involves the eye, until
It meets his left-hand gauntlet, still
Clasped empty in the other; and
One sees, with a sharp tender shock,
His hand withdrawn, holding her hand.

They would not think to lie so long.
Such faithfulness in effigy
Was just a detail friends would see:
A sculptor’s sweet commissioned grace
Thrown off in helping to prolong
The Latin names around the base.

They would not guess how early in
Their supine stationary voyage
The air would change to soundless damage,
Turn the old tenantry away;
How soon succeeding eyes begin
To look, not read. Rigidly they

Persisted, linked, through lengths and breadths
Of time. Snow fell, undated. Light
Each summer thronged the glass. A bright
Litter of birdcalls strewed the same
Bone-riddled ground. And up the paths
The endless altered people came,

Washing at their identity.
Now, helpless in the hollow of
An unarmorial age, a trough
Of smoke in slow suspended skeins
Above their scrap of history,
Only an attitude remains:

Time has transfigured them into
Untruth. The stone fidelity
They hardly meant has come to be
Their final blazon, and to prove
Our almost-instinct almost true:
What will survive of us is love.

Philip LarkinThe Whitsun Weddings.


Um túmulo em Arundel

Lado a lado, os seus rostos indistintos,
O Conde e a Condessa repousam em pedra,
Com os seus hábitos vagamente dispostos
Como uma armadura conjunta, rígidos os vincos,
E aquela vaga sugestão do absurdo –
Os pequenos cães a seus pés.

Esta evidência do pré-barroco
Dificilmente prende o olhar, até que
Se encontra a sua luva esquerda, vazia
Ainda apertada na outra mão; e
Se vê, com um arrepio agudo e terno,
A sua mão afastada, segurando a mão dela.

Eles não pensavam repousar por tanto tempo.
Tal lealdade em efígie
Era apenas um detalhe que os amigos veriam:
Uma graça gentil encomendada ao escultor
Improvisada para ajudar a prolongar
Os nomes em latim em redor da base.

Eles não imaginavam que tão cedo na
Sua imóvel e inerte viagem
O ar se transformaria em silenciosa perda,
Afastando os velhos inquilinos;
Que em breve outros olhos começaram
A ver, não a ler. Rigidamente eles

Persistiram, unidos, através da lonjura e da distância
Do tempo. Neve caiu, sem data. A luz
Encheu os vitrais a cada Verão. Detritos
Brilhantes de pássaros cobriram aquele
Chão crivado de ossos. E pelos caminhos
Chegaram as intermináveis pessoas alteradas,

Lavadas da sua identidade.
Agora, abandonado no fundo de
Uma era armorial, um algeroz
De fumo paira numa lenta espiral
Sobre este seu fragmento de história,
Apenas resta uma atitude:

O tempo transfigurou-os em
Falsidade. A fidelidade da pedra
Que dificilmente planearam tornou-se
O seu brasão final, e para provar
O nosso quase instinto quase verdade:
O que sobreviverá de nós é o amor.

Tradução: Sandra Costa [2014].

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Poema de Natal | Dezembro de 2014


Poema de Natal

«a luz que dezembro te oferece» | Luís Filipe Parrado

O poema podia ser só uma frase
e todas as identificações universais
estariam feitas: os pássaros continuariam
a pousar nos telhados inclinados,
num sobressalto, entre um bater de asas
e a persistência dos dias; um coração
a descoberto seria sempre uma árvore
de folha caduca, tão protegido como
a escuridão sob as estrelas e a revelação
seria essa matéria que não desaparece
onde os horizontes terminam

e que só existe na luz dos detalhes,
das flores e do silêncio.

[Sandra Costa]

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Manual da Vida Breve XIX

21.

[para a Joana Manarte]

Dezembro começou como
Agosto terminara: com a tua voz
estendida entre dois rios ou entre dois
mundos, na ténue possibilidade de todos
os dias desaparecerem assim, num porto
antigo ou num poema, nesse equilíbrio
necessário com que pousamos as memórias
no último refúgio dos precipícios.

[Sandra Costa]