quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Desenho e Colagem

Joan Miró, Sem título (Desenho e colagem), Setembro de 1933.

Para a Ana Maria Guardado Dias.

O poema como desenho e colagem.
Os contornos do pintor que se pinta
a si próprio, a traço negro em fundo
escurecido e desbotado, com um braço
estendido perante a tela. Ou um falo
que se ergue perante uma escolha e
que em conversa entre iguais resulta
num caralho que pinta e pensa.

Dois recortes de postais de mulheres
colados sem displicência: uma a cores,
musa de oitocentos, na cabeça do artista;
outra a preto e branco, mulher moderna,
na ponta desse seu braço que assim
se retrata.

Por fim, a imperfeição do círculo
vermelho sobre o recorte rectangular
e rasgado da lixa. Estudiosos viram nisto
“a interpretação de Miró sobre a violenta
confrontação entre vários sistemas
de representação”, um alvo áspero
que nos prende a atenção, a pupila
do olho que se abre à percepção.
Outros, pela sua posição junto
ao pénis que se afigura, sugerem uma
vagina abstracta ou, diria eu,
como Eros pode ser dúbio,
sem títulos e sem fragmentações.

[Sandra Costa]