Sandra Costa, A vocação dos homens silenciosos, Cosmorama, 2006.
Baudelaire não mora aqui
[texto publicado no blogue Da Literatura, a 2 de
Março de 2007]
João Paulo Sousa
Durante
algum tempo, Sandra Costa foi uma das autoras do Tempo Dual.
Depois, abandonou a blogosfera e só reapareceu uma vez, aqui mesmo, no Da
Literatura, com a excelente tradução
de um poema de Joseph Brodsky. No final do
ano transacto, regressou à edição em livro, com o volume de poesia A Vocação
dos Homens Silenciosos, lançado pela Cosmorama. Refira-se, de passagem, o notável trabalho que a editora
de José Rui Teixeira tem vindo a realizar neste domínio, com uma colecção
criteriosa, de elevado apuro gráfico, que se lançou corajosamente na busca dos
seus próprios canais de distribuição. (...)
Em A Vocação dos Homens
Silenciosos, Sandra Costa estrutura um conjunto poético onde o sujeito se
apresenta em estado de empatia com o mundo, procurando traçar afinidades entre
as palavras e os objectos que permitam alcançar o apaziguamento. Não há aqui a
tensão abstractizante que conduz ao hermetismo, nem o desencanto de raiz
baudelairiana que se move pela superfície das ruínas urbanas, mas é antes como
sombra a caminho do apagamento que se expõe esta voz poética. Assim, o sujeito
assume a consciência de ter chegado demasiado tarde e de apenas lhe restar o
lento declínio, a suave fusão com a natureza (aqui entendida como clara
metonímia do mundo): «sou como um desses caules dos pântanos: / apenas mais uma
linha retorcida sobre / o transtorno das águas, quando o sol se põe // – um
gesto de elisão ou nostalgia / eu a menos / e a imagem permanecerá igual –» (p.
24).
A poesia é vista como um meio de
acesso privilegiado a esse contacto profundo com as coisas, ela representa a
possibilidade de se conhecer um real que é anterior ao acto de nomeação. Nesse
contexto, o silêncio prefigura-se como um horizonte intangível, mas capaz de
guiar o sujeito poético: «Não temo aproximar-me do limite, / dessa
transparência onde os deuses / assistem à queda dos graves e quase / se magoam
por não terem os pés / sobre a terra ou daquilo que chamas / inclinação para a
angústia como / se fosse coincidência esta pressa / de tudo classificares. Não
temo / ainda que seja evidente que uso / as palavras por antecipação» (p. 29).
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