quinta-feira, 1 de março de 2018

A vocação dos homens silenciosos V












Sandra Costa, 
A vocação dos homens silenciosos, Cosmorama, 2006.



Baudelaire não mora aqui
[texto publicado no blogue Da Literatura, a 2 de Março de 2007]
João Paulo Sousa
  
            Durante algum tempo, Sandra Costa foi uma das autoras do Tempo Dual. Depois, abandonou a blogosfera e só reapareceu uma vez, aqui mesmo, no Da Literatura, com a excelente tradução de um poema de Joseph Brodsky. No final do ano transacto, regressou à edição em livro, com o volume de poesia A Vocação dos Homens Silenciosos, lançado pela Cosmorama. Refira-se, de passagem, o notável trabalho que a editora de José Rui Teixeira tem vindo a realizar neste domínio, com uma colecção criteriosa, de elevado apuro gráfico, que se lançou corajosamente na busca dos seus próprios canais de distribuição. (...)
            Em A Vocação dos Homens Silenciosos, Sandra Costa estrutura um conjunto poético onde o sujeito se apresenta em estado de empatia com o mundo, procurando traçar afinidades entre as palavras e os objectos que permitam alcançar o apaziguamento. Não há aqui a tensão abstractizante que conduz ao hermetismo, nem o desencanto de raiz baudelairiana que se move pela superfície das ruínas urbanas, mas é antes como sombra a caminho do apagamento que se expõe esta voz poética. Assim, o sujeito assume a consciência de ter chegado demasiado tarde e de apenas lhe restar o lento declínio, a suave fusão com a natureza (aqui entendida como clara metonímia do mundo): «sou como um desses caules dos pântanos: / apenas mais uma linha retorcida sobre / o transtorno das águas, quando o sol se põe // – um gesto de elisão ou nostalgia / eu a menos / e a imagem permanecerá igual –» (p. 24).

            A poesia é vista como um meio de acesso privilegiado a esse contacto profundo com as coisas, ela representa a possibilidade de se conhecer um real que é anterior ao acto de nomeação. Nesse contexto, o silêncio prefigura-se como um horizonte intangível, mas capaz de guiar o sujeito poético: «Não temo aproximar-me do limite, / dessa transparência onde os deuses / assistem à queda dos graves e quase / se magoam por não terem os pés / sobre a terra ou daquilo que chamas / inclinação para a angústia como / se fosse coincidência esta pressa / de tudo classificares. Não temo / ainda que seja evidente que uso / as palavras por antecipação» (p. 29).



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