«Eu
cantei este amor sem que soubesses 
[…]
Andei
pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te
barco, flor, incêndio, madrugada.»
Fernando
Assis Pacheco, 'Cuidar dos Vivos', Coimbra, 
Cancioneiro
Vértice, 1963.
Num lugar que não
existe,
tão próximo do mar
quanto possível,
escrevo o último
poema do ano 
sem que saibas que o
estou a escrever.
Sento-me rente ao
derradeiro precipício 
da tarde como se não
tivesse vertigens.
Aliso a saia que não
uso há mais de vinte 
anos para que nenhum
vinco gesto alusão 
fique por compor.
E deixo que o vento
revolva tudo o mais que 
em mim existe: uma
flor súbita nos cabelos, 
o mais frágil e
hesitante botão da blusa, 
a forma como os meus
dedos pronunciam 
em surdina a solidão
e, por fim, o que resta 
de um sorriso, o que fica de sagrado do amor,
num
rosto inesquecível que não é o meu.
Neste lugar que não
existe, 
escrevo-te o último
poema do ano
e não saberás nunca
que to estou a escrever.
[Sandra Costa]
 
