segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Da série «Manual da vida breve» - V


5.

Não me demoro junto dos poemas.
Os dias acabam quando sensíveis
ficam as sombras. Tu estás onde
os espelhos morrem mais depressa
do que os homens.

No meu caminho, se caminho,
persiste apenas o silêncio súbito
de certas coisas: como o silêncio
daquela velha azenha sem telhado
e de pedra escurecida onde outrora
a água do ribeiro e as árvores
faziam algum sentido.

[Sandra Costa]

domingo, 8 de janeiro de 2012

Da série «Manual da vida breve» - IV

Fotografia(s) de Ana Teixeira.

11.

Junto à barragem, num reflexo
sobre a água onde o que existe é apenas
a luz trémula de um verso por escrever,
na sombra sobre a terra à medida que
a tarde desaparece na melancolia, nos
contornos de negrume fundeados
na contraluz

ou entre a névoa como se não soubéssemos
que ali fica um reino onde pousam as palavras
do lado do avesso, ali

junto à barragem, erguem-se três árvores,
talvez carvalhos, que assim fizeram as imagens
tão distantes do poema.

[Sandra Costa]


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Da série «Manual da vida breve» - III




















8.

Os poemas não se abriram às magnólias
neste Inverno. Não cobrem os muros como
o musgo. Não escurecem as paredes da casa
como as manchas do tempo ou como as
sombras que hão-de vir. Não tornam os dias
mais frios como aquele raio de sol sobre
o velho cata-vento da casa de lavoura.

Não se ouvem os nomes que desaparecem
ou se perdem para além do lugar onde as aves
repousam sobre a distância.

(e assim se sentem as alterações climáticas
nas coisas simples)

[Sandra Costa]