segunda-feira, 31 de julho de 2017

Exercício #3

Nada se alterara na ordem natural das coisas. Se desviasse o olhar, continuaria a medir o Verão pela altura do milho; no fundo de um dos seus bolsos encontraria, com toda a certeza, o peso de uma âncora no contorno das chaves de casa e fosse qual fosse o lugar em que voltasse a pousar o olhar, ainda que fosse no rumor que imaginara na mão dele, as articulações dos seus dedos já se teriam esquecido de como se sustém a respiração.

Alguém descreveria o processo como uma ilusão de óptica. Ela escreveria mais tarde que julgara criar um hiato na melancolia.

[Sandra Costa]

sábado, 29 de julho de 2017

Exercício #2

Ele sentira-o como se não tivesse acontecido, como mais um pormenor de ausência a acrescentar àquela sucessão de reflexos e palavras que lhe marejavam os olhos e a boca de forma quase mecânica e que faziam daquela tarde de Verão uma inevitável demonstração da sua capacidade de viver como um animal em extinção.
Porém, como um sinal, a sua mão pendia agora sobre a mesa do café e na base do pulso, na artéria radial, sentia que algo em si, para além do sangue, pulsava em desordem.

[Sandra Costa]

Exercício #1

O toque dos dedos dela na mão dele fora tão breve, e assim intenso, quanto uma possibilidade.
O mundo continuara, a conversa prosseguira sobre a dimensão filosófica do amor (as geografias e os medos de quem escreve para uma imagem que já se desfaz) e tudo à volta permanecera intacto na sua existência.
Mas na epiderme, nesse filtro, limite, que nos separa do outro ao mesmo tempo que nos faz resvalar de um corpo até outro corpo, os dedos dela continuavam a tocar a mão dele, ardentes, assim intensos, como uma possibilidade.

[Sandra Costa]