Uma flor para todas as
estações
À altura do quarto
onde escreves, 
floresce a magnólia
branca no silêncio
do claustro onde a
pedra é a tempestade
invisível do que fica
por dizer. Nos vidros
enclausurados do
Inverno, nos estilhaços 
polinizados da
Primavera onde pressentes
a pulsação das aves, em
cada verso, em todos 
esses lugares onde és
musgo nos muros de 
um caminho, a morte é
a sombra que te 
persegue atraindo
fadiga ou lucidez, 
como um ofício para
começar o Verão, 
um nome com os
contornos da espera.
À altura do quarto
onde ainda escreves,
há um verso teu que
podia ser a véspera
de todos os meus
poemas – «se fosses flor 
através das estações» –
desviando a morte 
para um pouco mais
longe. No espaço côncavo 
entre estas duas
realidades que não existem 
estão todas as nuvens
que trespassam a solidão 
e repito aquilo que
sempre soubeste: o amor 
é uma candeia que se
deixa dobrar pela luz e 
que só para alguns
ilumina os joelhos, esse 
mar alto onde os
barcos param a dedilhar a 
ternura e a alucinação
do desejo.
À altura do quarto
onde sempre estarás
a escrever, o amor é
este poema que te 
escrevo, e lhe
escrevo, permitindo que 
entre na paisagem do
silêncio a água turva, 
por não ser corrente, onde
outro homem 
se inclina para lavar
o rosto. Um poema 
em redor de uma porta
fechada por onde 
trepam, selvagens, as
flores que atravessam 
as estações.
Sandra Costa, 28 de
Julho de 2019 [Poema publicado no n.º 5 da «Gazeta Literária» da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto dedicada a Daniel Faria].

 

