sábado, 28 de dezembro de 2019

Calendário do Advento 2019 2.0

«Nunca soube escrever poemas de Natal. Se alguma vez cogitei escrever um, cedo pressenti que respiraria sempre o medo de cercar esse tempo de uma imaterialidade que acabaria fatalmente por o destruir.»

Jorge Pinho, Dezembro de 2019.
Poema de Natal 2.0

Eu também nunca soube escrever poemas de Natal.
Convoco vocábulos e imagens como se fossem
antigas, alguém escreveu há dias «minúsculas», histórias
de amor, mas quase sempre há nessas composições
mais silêncio que alegria, mais penumbra que luz,
mais inquietude ou solidão que o ritmo do mundo
a movimentar girândolas de vida.

Abeiro-me dos telhados inclinados das vigílias,
dos musgos dos muros da infância que cobriam
as nossas mãos de firmamento, dos descampados
onde florescem os bardos que vacilam com o vento,
mas sobre os meus cabelos as guirlandas são
de errância e já não deixo os pés descalços junto
da lareira à espera de milagres.

Eu também não sei escrever poemas de Natal
e é por isso que reconheço que tudo o que é matéria
do sensível pode cobrir este tempo de raízes,
trazendo-nos esse lugar que há em todos nós
onde ainda o amor, e já não o medo, é possível.

Dezembro de 2019 | Sandra Costa

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