terça-feira, 22 de agosto de 2017

Exercício 2.0 #3

Depois de percorrer as salas do subsolo, o plano determinava que devia subir para o andar térreo e entrar na galeria principal da exposição permanente. Deu por si a sorrir. Dois bancos almofadados. Não cedeu de imediato à tentação e demorou-se num dos quadros que queria muito ver. Manhã na Baía de Langland, de Alfred Sisley. Lembrava-se que descreviam as suas paisagens como impressões de eternidade na expressão singular de um momento. Quanta inutilidade naquela definição. Como não reconhecer ali a mesma dissolução do mundo que a levava a escrever um poema? Fez uma pausa nos seus pensamentos. De onde lhe vinha aquela altivez?
Acabou por se sentar um pouco, primeiro no banco mais próximo, depois ao fundo da galeria, de modo a que os pés lhe proporcionassem algumas tréguas e lhe passassem aquelas vertigens. Urdir planos não lhe dava o direito de se mostrar a si mesma como uma pessoa diferente, mas era uma explicação possível.
Enquanto o tempo ia decorrendo sem que ela sentisse a sua respiração no seu pescoço, pôde observar com cuidado os restantes quadros. Estavam ali alguns dos nomes que ela mais apreciava e ficava sempre emocionada quando os reencontrava. Memorizava pormenores, enumerava cores como contas dentro de um bolso, reconstruía o que estava disperso e fazia daquilo, o que quer que fosse, começos.
A verdadeira solidão é permanecer alheia ao que se aproxima.

[Sandra Costa]

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