Ferdinand Hodler (1835-1918), A Noite (1889-1890), Kunstmuseum de Berna
Desde que começara a visitar o museu, A Noite, de Ferdinand Hodler, sempre estivera lá. No entanto, apenas naquela terça-feira se iria demorar junto da tela e tentar verdadeiramente aproximar-se dos seus possíveis significados. Atravessou a galeria principal da exposição permanente sem olhar para qualquer dos quadros ou as poucas pessoas que ali se encontravam e entrou na sala dedicada ao pintor simbolista.
Desde que começara a visitar o museu, A Noite, de Ferdinand Hodler, sempre estivera lá. No entanto, apenas naquela terça-feira se iria demorar junto da tela e tentar verdadeiramente aproximar-se dos seus possíveis significados. Atravessou a galeria principal da exposição permanente sem olhar para qualquer dos quadros ou as poucas pessoas que ali se encontravam e entrou na sala dedicada ao pintor simbolista.
Sete, não, oito
figuras deitadas, Hodler claramente em duas delas e Augustine e Bertha como
figuras femininas em destaque, recordava-se de ter lido isso no catálogo que
levava debaixo do braço. Todas as figuras nuas, ou assim lhe era dado imaginar,
mas só Bertha completamente descoberta, de costas para quem observava, adormecida
nos braços de um homem que não era Hodler. Sabia que o tema do quadro era a
morte mas por um instante imaginou que fosse o amor, ou a paixão.
Conhecia bem a
história de vida do pintor, como a morte lhe circunscrevera a infância, pelo que
não se espantava que ele a percepcionasse como um elemento natural, ainda que
coberto de panos negros, que a qualquer momento se apodera do nosso corpo, como
qualquer princípio de ordem e repetição de que a natureza é feita. Entendia, por
isso, a sua necessidade de colocar os corpos em camadas paralelas, de linhas e
de cores. Menos perceptível, mas mais do seu agrado por todas as interpretações
que lhe podia dar, era a posição da morte sobre o baixo ventre do único Hodler
que não dormia naquele quadro.
Sempre que
tinha um daqueles pensamentos que fugiam à moral e aos bons costumes, seja lá o que
isso fosse, um sorriso tornava o seu rosto menos austero e todo o seu corpo
ficava mais atento à realidade que o rodeava.
[Sandra Costa]
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