segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Exercício 2.0 #5

O plano terminaria ali, no primeiro andar, quando finalmente entrasse nas salas da Colecção Hahnloser e onde, supostamente, «Le désir fleurit toutes choses», a acreditar no guia da Exposição. Só mais tarde se aperceberia que aquelas palavras eram de Marcel Proust, que a frase estava incompleta e que todas as coisas, tanto as imaginadas como as concretizadas, contêm, em si, o seu reverso. «Le désir fleurit, la possession flétrit toutes choses».
Era a primeira vez que viajava assim. Sozinha, para um outro país, com um plano por si determinado. Previra todos os detalhes, munira-se de alternativas para enfrentar imprevistos, levara de sobra todos os objectos que seriam utilizados, tudo para minimizar os efeitos da ansiedade que aquela solidão perante o desconhecido lhe traria. Não lhe custava debater-se com o mundo, sozinha, em lugares que lhe eram familiares, onde conhecia todas as tocas e todas as armadilhas, onde as decisões estavam previamente tomadas e em caso de necessidade haveria, afinal, alguém que a pudesse resgatar e onde o silêncio seria sempre o seu silêncio. O problema estava em enfrentar o mundo longe de todas aquelas circunstâncias atenuantes, confrontando-se com a sua solidão e a incapacidade que sabia ter de se relacionar com os outros, quando estes lhe eram estranhos. O seu silêncio tornava-a, então, impenetrável e ela tendia a desaparecer.
Porém, estava tudo a correr conforme tinha delineado, pelo que se sentia confiante, ela mesma, uma pequena, e à sua maneira, bela criatura que alguém esquecera de amar, quando, após percorrer as três primeiras salas introdutórias da Exposição, se sentou em frente a La Blanche et la Noire, de Félix Vallotton.

[Sandra Costa]

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