O plano
terminaria ali, no primeiro andar, quando finalmente entrasse nas salas da
Colecção Hahnloser e onde, supostamente, «Le désir fleurit toutes choses», a
acreditar no guia da Exposição. Só mais tarde se aperceberia que aquelas palavras
eram de Marcel Proust, que a frase estava incompleta e que todas as coisas,
tanto as imaginadas como as concretizadas, contêm, em si, o seu reverso. «Le désir
fleurit, la possession flétrit toutes choses».
Era a primeira
vez que viajava assim. Sozinha, para um outro país, com um plano por si determinado.
Previra todos os detalhes, munira-se de alternativas para enfrentar
imprevistos, levara de sobra todos os objectos que seriam utilizados, tudo para
minimizar os efeitos da ansiedade que aquela solidão perante o desconhecido lhe
traria. Não lhe custava debater-se com o mundo, sozinha, em lugares que lhe
eram familiares, onde conhecia todas as tocas e todas as armadilhas, onde as
decisões estavam previamente tomadas e em caso de necessidade haveria, afinal,
alguém que a pudesse resgatar e onde o silêncio seria sempre o seu silêncio. O
problema estava em enfrentar o mundo longe de todas aquelas circunstâncias
atenuantes, confrontando-se com a sua solidão e a incapacidade que sabia ter de
se relacionar com os outros, quando estes lhe eram estranhos. O seu silêncio
tornava-a, então, impenetrável e ela tendia a desaparecer.
Porém, estava
tudo a correr conforme tinha delineado, pelo que se sentia confiante, ela
mesma, uma pequena, e à sua maneira, bela criatura que alguém esquecera de
amar, quando, após percorrer as três primeiras salas introdutórias da Exposição,
se sentou em frente a La Blanche et la Noire,
de Félix Vallotton.
[Sandra Costa]
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