O primeiro
detalhe em que reparara ao entrar na sala Vallotton fora nos seus pés descalços,
ligeiramente inchados, e numas sandálias pretas abandonadas por baixo do banco. Por
momentos, parara junto da porta e olhara em redor à procura de alguém tão
espantado quanto ele mas apenas encontrou o seu reflexo no silêncio. Não havia mais ninguém na sala, apenas aquela personagem
que se interpusera entre ele e o seu segundo objetivo da noite, porque
entretanto anoitecera e o tempo começara a tornar-se numa substância que tudo extingue.
Entreteve-se
com Des tas de sable blanc e Capucines, marguerites et églatines,
tendo também espreitado o papel de parede da sala Villa Flora, reconhecendo
os motivos desenhados por Hedy Hahnloser-Bühler, mas não se conseguia
concentrar. O seu olhar desviava-se a cada instante para a figura sentada em
frente a La Blanche et la Noire e os
seus pés descalços que, apesar de inchados, não paravam quietos.
Não se
recordava de ficar assim perturbado com tão pouco, há muito tempo. A realidade
era uma sucessão de equilíbrios que ele estreitava contra o peito sem que a sua
percepção dos dias e das noites fosse alterada, a respiração controlada perante
a construção do mundo à sua volta, nenhum deus de permeio, para além da
literatura, onde sempre tudo se desvanecia, até ele.
Quando já não
podia mais fingir, mas deixando uma distância conveniente, sentou-se em frente
a La Blanche et la Noire, de Félix
Vallotton. Era inevitável que alguma coisa estava para acontecer.
[Sandra Costa]
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