Quisera dizer-lhe tudo, mesmo não sabendo o que tudo significava: que hesitava nos olhos dela; que fazia das palavras pronunciadas barricadas para que nenhuma fibra muscular do seu corpo se contraísse involuntariamente; que entre eles não desejava segredos mas que pressentia dentro de si o tal pequeno deus a intensificar o ofício das silhuetas; que nada era o que parecia ser e, perante a consistência do mundo, ele era apenas mais uma personagem naquela mesa do café.
Quisera dizer-lhe tudo isto mas falou apenas do último livro que leu ou da última viagem que fez, já não se lembrava. Recordava sim as palavras de Pavese: "A ofensa mais atroz que se pode fazer a um homem é negar-lhe que sofra"[1].
[Sandra Costa]
[1] PAVESE, Cesare – O Ofício de Viver. Lisboa: Relógio d’Água, 2004, p. 123.
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