Edward Hopper, Excursão pela Filosofia,
1959
Excursão pela Filosofia (1959)
De mãos
descaídas entre os joelhos, sentado na beira da cama, um homem medita,
aparentemente sobre um rectângulo de luz, definido no chão de um quarto
imaculado, quase asséptico, e onde só o seu pé esquerdo toca. O seu olhar, no
entanto, está ausente e ele não se apercebe que a janela aberta nos revela o
sol pela tonalidade do azul com que o céu circunscreve a colina. Tudo nele é
inacção. Desabotoado tem apenas o primeiro botão da camisa branca e Jo, ou
Edward, as fontes são inexactas, refere-se pela primeira vez a este quadro como
a “Excursão pela Realidade”.
De costas
voltadas para o homem, uma mulher, “not a nice girl”, está deitada, seminua, quase
em posição fetal. Os cabelos espalhados na almofada e a forma como a combinação
de um tom rosado destapa o que não era suposto destapar, permitem-nos concluir,
talvez erradamente, que dorme. Os pés estão ligeiramente sujos, seja lá o que
isso significa, embora haja uma referência em conversa a umas sandálias, como
se as mesmas pudessem qualificar esta história.
O livro, abandonado
sobre a cama, é Platão, relido demasiado tarde, disseram eles – e todo um
manancial de interpretações sobre dois mundos, o dos sentidos e o das ideias, o
das sombras e o da luz, se concretiza no nosso olhar, cavando ali uma nova
sensibilidade que nem sempre coincide com a essência do que é real. Pobre filosofia
que nada sabe do amor e do que se perde quando este se corporiza, que nada sabe
de um homem e de uma mulher, como um livro, abandonados sobre a cama.
Nenhuma menção
foi feita ao quadro pendurado na parede. O que é irrelevante não merece
confidências. Ou o que é evidente eleva-se para além do olhar, concretizando-se,
uma vez mais, em distância.
[Sandra Costa]
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