segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Hopper #2

Edward Hopper, Excursão pela Filosofia, 1959


Excursão pela Filosofia (1959)

De mãos descaídas entre os joelhos, sentado na beira da cama, um homem medita, aparentemente sobre um rectângulo de luz, definido no chão de um quarto imaculado, quase asséptico, e onde só o seu pé esquerdo toca. O seu olhar, no entanto, está ausente e ele não se apercebe que a janela aberta nos revela o sol pela tonalidade do azul com que o céu circunscreve a colina. Tudo nele é inacção. Desabotoado tem apenas o primeiro botão da camisa branca e Jo, ou Edward, as fontes são inexactas, refere-se pela primeira vez a este quadro como a “Excursão pela Realidade”.

De costas voltadas para o homem, uma mulher, “not a nice girl”, está deitada, seminua, quase em posição fetal. Os cabelos espalhados na almofada e a forma como a combinação de um tom rosado destapa o que não era suposto destapar, permitem-nos concluir, talvez erradamente, que dorme. Os pés estão ligeiramente sujos, seja lá o que isso significa, embora haja uma referência em conversa a umas sandálias, como se as mesmas pudessem qualificar esta história.

O livro, abandonado sobre a cama, é Platão, relido demasiado tarde, disseram eles – e todo um manancial de interpretações sobre dois mundos, o dos sentidos e o das ideias, o das sombras e o da luz, se concretiza no nosso olhar, cavando ali uma nova sensibilidade que nem sempre coincide com a essência do que é real. Pobre filosofia que nada sabe do amor e do que se perde quando este se corporiza, que nada sabe de um homem e de uma mulher, como um livro, abandonados sobre a cama.

Nenhuma menção foi feita ao quadro pendurado na parede. O que é irrelevante não merece confidências. Ou o que é evidente eleva-se para além do olhar, concretizando-se, uma vez mais, em distância.

[Sandra Costa]

Sem comentários:

Enviar um comentário