sábado, 25 de agosto de 2018

Epigrafia #7

Finisterra, Agosto de 2018.

«You should go
from place to place
recovering the poems
that have been written for you
to which you can affix your signature.»

Leonard Cohen, Book of longing,
Penguin, 2007.





Não imagino melhor intenção
para me precaver do inferno,
se me dedicasse a esses enleios,
do que ir de lugar em lugar
à procura dos poemas que não escrevi.

Os poemas da espera, nem um iniciado,
junto aos quadros de Holsøe, onde cada
uma daquelas mulheres aguarda o amor
ou a morte, como se ambas as estâncias
fossem o caule da mesma flor.

O poema para o último encontro
de Hellelil e Hildebrand nas escadas
da torre, momentos antes de todas
as histórias de cavaleiros e princesas
se desvanecerem em névoas e baladas.

Os poemas sobre os joelhos que não
esfolei na infância, uma vida inteira
a tentar evitar os segredos que se
adivinham na felicidade ou o medo
da catástrofe que sempre se lhe segue.

O poema sobre aquelas flores selvagens
e amarelas que crescem na berma da estrada,
também lá estavam em Finisterra pelo que
pergunto se será erva doce, e que aparecem
em tantas imagens que faço, fotográficas
e poéticas, mesmo sem as contemplar.

Não imagino melhor intenção
para me proteger da lonjura e do silêncio,
sei que um dia farei essa inevitável viagem,
do que ir de lugar em lugar
à procura dos poemas que não escrevi.

[Sandra Costa]

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Epigrafia #6



«estou sozinha respirando sozinha
e sinto Verão nesta solidão,
(quem disse que a solidão é um ser de Inverno?)»

Inês Lourenço, Um quarto com Cidades ao Fundo,
Vila Nova de Famalicão, Quasi Edições, 2000




A premissa estava errada.
A solidão não é.
Nem Verão nem Inverno.
Nem os teus pés descalços, escondidos
na água, entre as rochas de uma praia obscura.
Nem o movimento da tua mão
no vidro da janela para que a condensação
provocada pela chuva se apodere de ti.
Nem a forma como te encolhes
perante as pétalas secas da buganvília.
Nem o teu rasto no que desaparece
no perfume quase inerte das magnólias.

Tudo isto são inícios. Primícias.
A solidão não é.

[Sandra Costa]

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Epigrafia #5

Finisterra, 9 de agosto de 2018

«o litoral instável sob os nossos pés; as dunas prontas a mover-se;
basta um golpe de vento.»

Finisterra, Carlos de Oliveira


Observas o homem sentado na pedra,
próximo desse último contorno
onde o fim começa, longe dos gestos
que hoje nos arruínam. Se olhas dali
para aquele mar que te torna vulnerável,
o homem está do lado esquerdo
do promontório, como se isso tivesse
algum significado, e inclina-se, ao de leve,
sobre a página de um diário, o silêncio
de um postal que não chegará a escrever,
o pó acumulado da peregrinação.

No fotograma que capturaste,
o homem é um ângulo inesperado,
um passo em falso e o sulco do poema,
essa luz turva quase paisagem,
deixará de existir.

[Sandra Costa]